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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Salve Salvador: eu morro onde você passa férias!

Salve Salvador: eu morro onde você passa férias!

Nosso ufanismo (e poucos amam essa terra tanto quanto eu) tem algo de ridículo e doentio

Salve Salvador: eu morro onde você passa férias!

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 04 de abril de 2024 às 00:12

Diego era o nome do amigo de meu primo Gui que foi morto por traficantes um dia desses, enquanto voltava da academia, no bairro onde nasci e me criei. Não, ele não era envolvido com o crime, apenas estava passando no lugar errado na hora errada em que os bandidos trocavam tiros entre si. O problema maior é que o local errado e a hora errada são inevitáveis: onde moram e estão inúmeras famílias de trabalhadores comuns. Não há outra rua para chegar em casa. É a rua de nossa casa, nossa rua que está tomada. Não há hora segura: ele foi morto por volta das 20h.

Antes, encontrei uma ex-colega do Tereza Conceição Menezes, onde cursei o ginásio. Feliz com o reencontro tantos anos depois, ouvi dela em lamento que havia poucos dias o seu filho fora assassinado também por bandidos que saíram procurando a quem matar em retaliação a operações policiais. Tiros a esmo na rua em que eu costumava sentar na calçada para conversar com meu amigo Jorge. Quando será o meu dia ou de um filho meu? De meu pai ou minha tia? Eu sou do Curuzu. Passei perto do local do crime descrito no início no mesmo dia. Deus me escolheu para escapar e o menino de 18 anos, que tinha acabado de tirar a habilitação, para embarcar? Ou Deus já desistiu de tentar abrir nossos olhos? É pecado colocar Deus no meio dessa bandalheira?

Salvador se orgulha muito de ser uma cidade alegre. Talvez a mais alegre do mundo. “Eu moro onde você passa férias”, compartilham perfis sorridentes nas redes sociais como legenda a imagens de praia ou de festa. Pois, entre mortos e feriAdos, a verdade que me ocorre é que “eu moRRo onde se passam férias”. E realmente me sinto cada dia um pouco mais morto diante do noticiário. Nosso ufanismo (e poucos amam essa terra tanto quanto eu) tem algo de ridículo e doentio. Todas as famílias periféricas estão vivendo um terror absurdo e inédito na história da primeira capital do Brasil. LUTO, é o que se lê, escrito por assassinos juvenis, lamentando seus próprios mortos, nas paredes de Periperi e de Itapuã. E não é luto de lutar.

Para cada festa (com verba pública ou não) e hashtag de exaltação a Salvador, raiz de todo bem, correspondem 8 tapas na cara da realidade. Que tiro foi esse? O mesmo ou já é outro? Alguma hora iremos parar para conversar sobre isso a sério? Ou o som ainda estará alto demais para que se possa?