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Sábado, 18 de maio de 2024

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O ex-batera do Sepultura e o eterno complexo de vira-latas

O ex-batera do Sepultura e o eterno complexo de vira-latas

Pode parecer que estou falando de música, mas não. Estou falando de autoreconhecimento, de altivez, de soberania nacional, etc etc etc

O ex-batera do Sepultura e o eterno complexo de vira-latas

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 03 de maio de 2024 às 00:00

Há alguns meses, conheci no Café & Câmera um pintor alemão radicado aqui em Salvador. Durante a conversa, ele falou de sua predileção pela bateria, entre os instrumentos musicais, e pelos bateristas entre os instrumentistas. Provocado a indicar algum “batera” brasileiro, disse-lhe que faria mais, que o recomendaria um brasileiro que é também o maior baterista de rock-metal do mundo contemporâneo. E falei o nome fatal: Eloy Casagrande. Já ouviram? É, verdadeiramente, um fenômeno. Um virtuoso no melhor sentido do termo, perfeccionista e dono de uma precisão até irritante de tão absurda.

Não sei se o gringo ouviu, mas, pouco tempo depois, tive que escrever para o Metro1 a notícia de que Eloy deixou o Sepultura faltando uns poucos dias para o início da turnê internacional de despedida da banda. Para mim, aquilo era um escândalo que devia ser impresso em letras garrafais em todas as primeiras páginas dos cadernos culturais. Mas, pelo visto, ninguém ligou. Até mesmo a notícia em si mal foi publicada aqui e ali. Agora, leio no O Globo ou na Folha a manchete redigida de forma meio caipira: “Saiba quem é Eloy Casagrande, o baterista brasileiro que foi para o Slipknot”.

Ora, se a imprensa local não tivesse tanto complexo de vira-latas, todo brasileiro saberia quem é Eloy Casagrande muito antes de os gringos do Slipknot reconhecerem sua grandeza ao ponto de o tirarem de nossa maior banda de metal de forma tão atropelante. Afinal, ele já tocava há 13 anos em uma banda gigante no panorama internacional, que é o Sepultura. Vou citar outro gringo, para ver se me acreditam. Tá no YouTube um trecho de um programa da tv americana onde Dave Grohl (ex- -baterista do Nirvana, fundador do Foo Fighters) diz que uma de suas bandas preferidas de heavy metal de todos os tempos é do Brasil, o Sepultura, que, ao incorporar elementos nacionais, mudou as cartas do jogo do Metal. “É o som mais pesado que já se ouviu”, diz.

Pode parecer que estou falando de música, mas não. Estou falando de auto- -reconhecimento, de altivez, de soberania nacional, etc etc etc. Lembro quando o Santos conseguiu um arranjo que o possibilitou segurar Neymar por alguns anos, contra todas as probabilidades de o jovem craque ir para a Europa assim que revelado. O time ganhou uma Libertadores e disputou o Mundial com o atacante. Devia servir de exemplo aquela atitude, mas o então treinador da seleção abriu a boca para falar que já estava na hora de Neymar ir para a Europa. É o vira-latismo incurável.

A saída de Eloy Casagrande do Sepultura para o Slipknot é compreensível. Mas talvez as coisas fossem diferentes e diversos músicos gringos virassem manchete ao ser contratados por bandas brasileiras se nós tivessemos uma postura diferente diante de nós mesmos. Se, além de gerar, soubéssemos gerir. Por enquanto, resta a glória de fornecer mão-de-obra e matéria-prima para brilhar no mundo desenvolvido.