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Esfiha da Carlos Gomes encanta os paladares há 64 anos com toque de globalização

Cultura

Esfiha da Carlos Gomes encanta os paladares há 64 anos com toque de globalização

Apreciada por nomes como Jorge Portugal e Caetano Veloso, a iguaria também faz sucesso com anônimos

Esfiha da Carlos Gomes encanta os paladares há 64 anos com toque de globalização

Foto: James Martins / Metropress

Por: James Martins no dia 07 de maio de 2024 às 15:53

Não tem placa de identificação. É a casa de lajotas vermelhas na esquina da Carlos Gomes com a Rua da Forca. Talvez por isso todos chamem apenas de “esfiha da Carlos Gomes”, apesar de o local ser de fato uma pastelaria e vender também outros salgados, como coxinha e quibe. Pastelaria chinesa, e, por isso, alguns chamam de esfiha do chinês. E há os mais sabidos, que se referem ao local pelo nome — em inglês Good Day; ou em bom baianês: Gudêi. O mais interessante é que, prestando mais atenção ao uniforme dos funcionários, vemos que a forma contracta do jeito baiano de pronunciar é a mais correta, e que a lanchonete não se chama Good Day, como parece, mas sim Gooday. Fato é que, há 64 anos, a esfiha da Carlos Gomes faz um raro sucesso nas merendas soteropolitanas.

“Meu pai gostava de comer aquela esfiha depois das aulas que dava nos cursinhos próximos, à noite, antes mesmo de eu nascer. Aprendi a gostar da esfiha com ele, que fazia propaganda… (risos)”, diz Caetano Portugal, filho do professor e letrista Jorge Portugal (1956-2020), que era um grande apreciador da iguaria. E por que a esfiha chinesa é tão especial, Caetano?: “Tem a textura dela, o gosto dela… é única”, assegura. Aliás, outro Caetano, o Veloso, também já se esbaldou na esfiha da Carlos Gomes, lá pelos anos 1980.


Mesmo sem placa de identificação, todo mundo sabe chegar na lanchonete...

Que, aliás, não se chama Good Day, mas Gooday: ou Gudêi, no dialeto local. 

E não apenas eles. Num tempo em que a região do centro da cidade era recheada de colégios públicos como Teixeira de Freitas, Central e Ypiranga, e também cursinhos pré-vestibulares como Águia e Sartre, o cheiro das esfihas de carne (tem também de frango, mas aquela é o carro-chefe) parecia invadir as salas de aula e encantar alunos e professores como o Flautista de Hamelin. “Às vezes eu comia duas/três. E olhe que a danada é bem recheada”, confessa a pediatra Rosa Barbosa, 63 anos, que fez cursinho ali perto, nos anos 70. 

Sabe-se que a esfiha é originária da Síria e do Líbano, encontrada normalmente em outros países do Oriente Médio, como Jordânia, Palestina e Iraque, além do Brasil e Argentina, para onde veio trazida por imigrantes sírios e libaneses e onde se tornou extremamente popular. Agora, o que o chinês fez para produzir esfihas tão especiais em sua pastelaria? Para uns, o segredo está no recheio muito molhadinho, que umedece e dá sabor à massa. Outros apostam no molho agridoce sempre a postos no balcão. O certo é que a combinação global vem dando certo desde 1950. Tanto que viu as falências dos postos do Rei e do Mestre do Hot Dog, na Piedade, do restaurante Porto do Moreira, na mesma rua, e se mantém firme e forte.

Atualmente, cada esfiha custa R$12. E vale por uma refeição.


O recheio suculento e molhadinho já rendeu até lenda urbana.

Em publicação no Facebook, em 2013, o crítico de cinema André Setaro depôs que a “pastelaria chinesa marcou época nos anos 60, 70 e 80. O consumo de pastéis de carne, queijo e palmito era enorme, principalmente à noite, quando todos os gatos são pardos. Havia uma esfiha (ou é esfirra?) deliciosa, mas que, por gordurosa, fazia, a cada mordida, escorrer um caldo pelo braço (e um caldo, verdade seja dita, fedorento). Contava-se que o chinês, pronta a carne num balde, que saía do banheiro infecto, torcia um pano de chão para lhe dar mais sabor”. 

E continua, em sua típica maledicência do bem: “Mesmo cientes disso, as pessoas não perdiam a oportunidade de devorá-las. No meu caso, comia-as quando já indo para casa a fim de tomar um banho. E ninguém se atrevia a ir encontrar a namorada depois de duas boas esfihas no Good Day. O Good Day ficava em frente ao ‘La Fontana’' (a primeira casa a vender pizza em Salvador) e bem perto do ‘Braseiro’. Bons tempos”.

O artesão Raimundo Luz provou a esfiha pela primeira vez na adolescência, no fim dos anos 1990. "A gente comia quando saía da JAM no MAM, que, aliás, não tinha esse nome. Isso em 98/99... A galera subia pelo 2 de Julho e ia comer ali no chinês, que não lembro de ter visto nem uma vez. Na época o pagamento era só em dinheiro, hoje em dia aceita cartão de débito e crédito. Chegávamos por volta das 22 horas. Acho que o funcionamento era 24 horas ou, pelo menos, ia até tarde. Será que atualmente seria possível? Acho que não. Mas, fico feliz de poder manter um costume tão saboroso no centro da cidade há tanto tempo já", diz.