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Novas vítimas: beneficiários de planos de saúde recorrem à Justiça para enfrentar desrespeito de operadoras

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Novas vítimas: beneficiários de planos de saúde recorrem à Justiça para enfrentar desrespeito de operadoras

Mães de crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista, paralisia cerebral e microcefalia se tornaram novas vítimas do descaso dos planos de saúde na Bahia

Novas vítimas: beneficiários de planos de saúde recorrem à Justiça para enfrentar desrespeito de operadoras

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por: Jairo Costa Jr. no dia 25 de abril de 2024 às 11:43

Atualizado: no dia 25 de abril de 2024 às 11:52

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 25 de abril de 2024

Impossível não sentir compaixão diante da cena: mães de crianças com transtorno do espectro autista, microcefalia e paralisia cerebral reunidas em plena manhã do último dia 19, na porta do edifício que abriga o escritório da Central Nacional Unimed em Salvador, na Avenida Tancredo Neves, para protestar contra cancelamentos de planos de saúde pela operadora de forma unilateral.  Trata-se de mais uma parcela de brasileiros afetados por abusos cometidos pelas principais empresas do setor de saúde suplementar do país, cuja única saída é buscar socorro na Justiça. 

"Tenho uma filha de 13 anos com paralisia cerebral. No fim de março, recebi uma carta da Unimed informando que meu plano seria cancelado a partir de 1º de maio, mesmo com decisão consolidada do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que proíbe as operadoras de cancelarem planos que tenham como dependentes crianças em tratamento, meu caso e de aproximadamente 90 outras mães na mesma situação aqui em Salvador", disse a gerente de loja Patrícia Moreira da Silva, 39 anos, uma das mulheres à frente do movimento.  

Não é a primeira vez que Patrícia é levada a encarar a mesma via crúcis. Com a mais nova, já são três. "A primeira ocorreu quando a Unimed Norte-Nordeste faliu e rompeu todos os contratos. Por decisão judicial, consegui migrar para a Central Nacional Unimed. Isso ocorreu um dia antes da cirurgia de minha filha em São Paulo, que já tinha sido marcada com meses de antecedência. Imagina a agonia e o desespero que senti até que a Justiça determinasse a migração imediata", relembra Patrícia. 

O segundo tormento ocorreu ano passado, quando a operadora aumentou a mensalidade do plano dela em 40%. "Meu advogado entrou com uma nova ação por reajuste abusivo, para que fosse aplicado o mesmo percentual garantido pela ANS (Agência Nacional de Saúde), que foi de 8%. Nesse tempo, passei a pagar o boleto em juízo. A Unimed alegou que eu estava inadimplente e cancelou novamente o plano. Provamos que eu vinha pagando as parcelas judicialmente e conseguimos reverter. Com certeza, ano que vem viverei tudo isso de novo", lamenta a gerente.

No grupo de novas vítimas do descaso da operadora com crianças que possuem algum tipo de deficiência, conta Patrícia, há uma mãe que recebeu a carta de cancelamento unilateral do plano dentro da UTI onde a filha está internada com câncer em estado terminal. "Parte delas consegue decisões favoráveis na Judiciário de forma até muito rápida. Outras acabam atingidas pela morosidade da Justiça. Mas há ainda pessoas que sequer têm condições de bancar os custos com ações", lamenta.

Faz de conta

No último dia 22, a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor na Bahia (Procon), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), noticiou a Unimed para que esclareça, em até cinco dias, as razões para a recente enxurrada de cancelamentos de planos utilizados por pessoas diagnosticadas com transtorno do espectro autista, microcefalia e demais deficiências. De acordo com o Procon, a empresa "deverá informar também os motivos que causaram eventuais atrasos na entrega dos boletos das mensalidades e quais os canais de acesso à segunda via para pagamento, sem prejuízos aos clientes".

Diante do protesto, a operadora faz de conta que está ao lado dos clientes. "Estamos acolhendo e analisando todos os casos que têm sido comunicados a nossa ouvidoria. Aqueles que ainda não foram respondidos permanecem em análise junto com as administradoras do benefício. Os atendimentos desses planos de saúde permanecerão ativos enquanto os casos estiverem sendo analisados. Todas as decisões cumprem rigorosamente a legislação que rege os planos de saúde. Ressaltamos que o respeito e o cuidado com os beneficiários são a base de nossas relações", diz a nota enviada à imprensa pela Unimed Nacional. 

Esperança na Justiça

As arbitrariedades cometidas pelas empresas do setor multiplicaram de forma exponencial o número de ações movidas por usuários de planos de saúde. Apenas este ano, a Justiça baiana recebeu 1.650 novos processos contra operadoras apenas nos quatro primeiros meses do ano, média de 12 por dia, de acordo com o painel de dados e estatísticas do Conselho Nacional de Justiça. Além da Unimed, a lista de campeões de demandas no Judiciário inclui outras três gigantes do setor: SulAmérica, Bradesco e Amil.

"Para dar ideia do alto número de ações judiciais contra planos de saúde, que vêm crescendo bastante nos últimos anos, no exato momento em que estou dando essa entrevista tem uma cliente na minha frente só me esperando terminar para discutir o caso dela contra uma operadora", disse o advogado Michel Torres, que representa hoje centenas de consumidores na grande cruzada jurídica para forçar empresas do setor a cumprirem a lei. A maioria das queixas é relativa a reajustes abusivos e exclusão unilateral de dependentes.

"Hoje em dia, as principais operadoras praticamente não comercializam mais planos individuais, apenas coletivos, modalidade que não segue as normas da ANS que regulamentam os reajustes. Por isso mesmo são mais vantajosos, pois as empresas podem aplicar o índice que bem entendem. O que não ocorre com os individuais. Mesmo assim, temos conseguido derrubar reajustes bem acima do que foi definido pela ANS, já que o entendimento do Tribunal de Justiça da Bahia tem sido favorável aos usuários", afirma Torres
         
Outra fonte de processos contra operadoras é a exclusão unilateral de dependentes de planos individuais, mesmo ao arrepio da legislação, e do uso das mais variadas manobras para dificultar o atendimento. "Quando são dependentes mais jovens, é interessante para a empresa, porque eles quase nunca usam os serviços. Já os mais velhos recorrem mais. Quem ingressa na Justiça consegue reverter, mas muita gente acaba fazendo tudo o que a operadora quer. Ou seja, contratar ou plano", conclui Torres.